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Organizações indígenas criam estratégia para incluir demarcação de terras como política climática na COP30

O objetivo principal é conquistar reconhecimento sobre o papel das populações tradicionais no enfrentamento às mudanças climáticas.

Organizações indígenas criam estratégia para incluir demarcação de terras como política climática na COP30
Coiab presente em reunião durante a Semana do Clima, em Nova Iorque. Foto: Isaka Hunikui/ Coiab
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Os povos indígenas da Amazônia estão em campanha para incluir a demarcação de terras como uma das metas da política climática do Brasil. Para isso, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que representa 180 povos dos nove estados da região, está cumprindo uma agenda estratégica com foco na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro deste ano, em Belém, no Pará.

O objetivo principal é conquistar reconhecimento sobre o papel das populações tradicionais no enfrentamento às mudanças climáticas. Para isso, a proposta é que o Brasil estabeleça um número de terras indígenas a serem demarcadas até 2035, a ser incluído na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) — documento apresentado pelos países que fazem parte do Acordo de Paris e que estabelece como cada um deles contribuirá para reduzir as emissões de carbono.

O país atualizou a NDC em novembro do ano passado e estabeleceu o compromisso de reduzir as emissões de 59% a 67% até 2035, mas ainda é possível incluir detalhes sobre qual será a estratégia para alcançar esse objetivo. Por isso, as organizações indígenas se mobilizam para incluir contribuições no documento.

A Coiab já conquistou um espaço importante da COP30: será integrante do Círculo de Liderança Indígena. Esse grupo, anunciado em março pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago, será composto por representantes técnicos que poderão aconselhar os negociadores do país durante a conferência. A decisão segue um caminho semelhante ao da COP16 da Biodiversidade, que, no ano passado, aprovou a criação de um órgão consultivo para fomentar a importância dos territórios tradicionais nos debates.

A Coiab ainda não definiu quais serão seus representantes no Círculo, mas é a partir dele que a organização pretende levar a proposta sobre a demarcação de terras. Também devem ser incluídos representantes do Caucus Indígena, fórum composto por indígenas de todo o mundo que discutem os temas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Por outro lado, o governo deixou de fora do Círculo de Liderança as comunidades quilombolas. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) publicou uma carta denunciando a “invisibilidade climática”.

“As comunidades afrodescendentes e quilombolas no Brasil têm enfrentado uma longa trajetória de exclusão e invisibilidade. Apesar de serem guardiãs de saberes ancestrais sobre a conservação ambiental, suas vozes raramente são ouvidas nos fóruns que discutem políticas públicas relacionadas ao meio ambiente”, afirmou a organização.

 

Demarcar para reduzir emissões 
 

Onde há terras indígenas demarcadas, há mais preservação da floresta, o que contribui para menos emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. Esse é um dos argumentos dos povos indígenas para que seja criada uma meta de demarcação dos territórios na COP30. Desde o início deste governo Lula (PT), em 2023, foram homologadas 13 terras indígenas no país. Outras 263 estão em discussão, de acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

“Está comprovado que as terras indígenas são os territórios que menos desmataram e que conseguem aprisionar uma grande quantidade de carbono, impedindo sua liberação na atmosfera. Então, se as terras indígenas têm tudo isso a oferecer, por que não torná-las parte da política climática, uma política pública dos países?”, questiona Toya Manchineri, coordenador executivo da Coiab.

A proposta também tem sido discutida em conjunto com outras oito organizações que fazem parte da bacia amazônica. Juntas, elas são chamadas de “G9 da Amazônia Indígena” e representam a Bolívia, a Colômbia, o Peru, o Equador, a Venezuela, a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa. O grupo está promovendo a campanha “A resposta somos nós” para inserir essa meta na agenda de seus países durante a COP30 em Belém.

“Nossas economias são de baixo carbono, elas não geram impactos no meio ambiente. A gente tem convivido de forma muito respeitosa com o nosso meio ambiente. Se a gente tem um compromisso real com a demarcação dos territórios e o fortalecimento da política indígena no nosso país, sairemos da COP30 de fato com um legado”, afirma Alana Manchineri, coordenadora da agenda climática da Coiab.

A campanha ocorre em um momento sensível para a política territorial indígena do Brasil. Desde 2023, deputados e senadores discutem o marco temporal, uma mudança no texto constitucional que garante aos povos indígenas o direito à terra tradicionalmente ocupada. A proposta em debate é que sejam garantidos apenas os territórios ocupados em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

A tese é alvo de ações no Superior Tribunal Federal (STF), que mantém uma Câmara de Conciliação para definir um novo texto. O movimento indígena se recusou a participar. No mês passado, a InfoAmazonia noticiou que o ministro Gilmar Mendes usou o espaço para propor a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas, o que é proibido pela Constituição. Depois, ele recuou.

 

Insistências e compromissos
 

A campanha da Coiab para garantir a presença indígena na conferência do clima da ONU do Brasil, que deve reunir quase 200 chefes de Estado em Belém, começou ainda no ano passado, na COP29. Lá, a Coiab se manifestou solicitando uma copresidência para a COP30. Desde então, faz lobby para que cientistas indígenas estejam nas decisões como autoridades climáticas.

 

Coiab e presidente da COP30, André Lago, após reunião em fevereiro deste ano. Foto: Divulgação/Coiab

 

Além da demarcação de terras, que é o principal ponto reivindicado, os indígenas também planejam atuar nas discussões sobre financiamento climático e transição energética. Eles pretendem contribuir com o Balanço Ético Global sobre o Clima, iniciativa do presidente Lula para estabelecer um documento de avaliação das ações climáticas dos países sob a ótica da sociedade civil. A ideia é complementar o Balanço Global do Acordo de Paris, apresentado na COP28, em 2023.

Povos planejam a ‘COP Indígena’
 

Para fazer parte dos centros das discussões da COP30, os indígenas precisam estar presentes na conferência em Belém. Faltando oito meses para o evento, as organizações preveem altos custos financeiros. Toya explica que, para conseguir cerca de 5 mil indígenas na cidade, o orçamento chega a R$ 3 milhões para hospedagem.

Ter um espaço físico na cidade é uma necessidade para garantir a realização da “COP Indígena”, um evento paralelo à COP30, onde as organizações pretendem criar um local para debate e informar a todos, em tempo real, sobre as decisões dos governos.

 

Coiab presente em reunião durante a Semana do Clima, em Nova Iorque. Foto: Isaka Hunikui/ Coiab

 

“Se nós conseguirmos 150 credenciais para a Amazônia, ficaremos muito felizes, porque a disputa por credenciais será intensa. Mas, mesmo assim, a tendência é que muitos parentes estejam em Belém. E aí, querendo ou não, precisamos ter uma estratégia para reunir essa grande quantidade de lideranças em um espaço”, explica Toya Manchineri.

A campanha “A resposta somos nós” vai ser o tema central dos debates da COP Indígena. A organização também prepara uma pré-COP Indígena, que deve ocorrer na Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn, uma reunião anual realizada em junho, na Alemanha, que funciona como preparação para a COP.

“As negociações começam lá [em Bonn], e nós vamos tentar interferir para que nossos interesses sejam contemplados nos documentos oficiais, tanto do Brasil quanto dos países da bacia amazônica”, afirma Toya.

Além das agendas propositivas, as organizações indígenas se preparam para reforçar seu posicionamento contra a exploração de combustíveis fósseis. O presidente Lula fez discursos em defesa da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, e o Brasil trata a questão como necessária para a transição energética do país.
 

Indígenas pedem o fim da exploração por petróleo nas terras indígenas da Amazônia. Foto: Tukumã Pataxó/Apib

 

Os povos indígenas, no entanto, são contrários. “Vai ser um debate em que não conseguiremos chegar a um denominador comum com o governo brasileiro. Para nós, não faz sentido. Não há como fortalecer os acordos climáticos e, ao mesmo tempo, leiloar poços de petróleo próximos a territórios indígenas”, afirma Alana Manchineri.

 

Formação de líderes
 

A Coiab possui um plano de ação que deve ser trabalhado até 2026, com temas e debates importantes para os povos indígenas. A “justiça e segurança climática” é um deles. Todas as organizações de base devem realizar o monitoramento territorial para entender o impacto dos eventos extremos, ameaças e invasões. A organização também espera participar de eventos internacionais e criar mecanismos de denúncia de projetos de carbono que estejam em desacordo com as comunidades.
 

Para isso, eles estão investindo em formação intensiva. Desde fevereiro, 40 líderes indígenas se reúnem semanalmente para estudar e compartilhar saberes no Curso de Formação Estratégica para Lideranças Indígenas, presencialmente, em Manaus. Dividido em módulos, a formação inclui diversos assuntos sociais e políticos, como o sistema REDD+ jurisdicional, mercado de carbono, governança e emergência climática.
 

Todos estão desenvolvendo uma espécie de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em torno de um tema escolhido por eles próprios. O documento é preparado por cada aluno, que deve escrever um contexto da problemática escolhida, trazer argumentos, fatos e percepções pessoais. Depois, deve ser levado para as comunidades que os alunos representam e compartilhado com todos.
 

Wendel Apurinã, do povo Apurinã, coordenador executivo da Organização da Juventude Indígena de Lábrea do Médio Rio Purus (OjilMRP), decidiu escrever sobre o impacto dos eventos climáticos na segurança alimentar dos povos do Médio Rio Purus, no Amazonas.
 

“Nossas aldeias já passam por esse processo de insegurança alimentar por conta do avanço do agronegócio, do desmatamento acelerado e dos incêndios. Além disso, também sofremos as consequências das mudanças climáticas. No ano passado, o Purus enfrentou a pior seca da história”, diz Wendel.
 

As terras indígenas sofreram com uma seca histórica em 2024. Reportagem da InfoAmazonia mostrou que, em julho, 92% dos territórios estavam em seca, de acordo com dados do Índice Integrado de Seca (IIS), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
 

“Ficou intrafegável para embarcações de médio porte. Este ano, a alagação parece que vai ser bem maior do que eu esperava. As plantações não prosperam, não progridem, os lagos secam, os igarapés secam. E aí, como fica a questão da alimentação?”, questiona Wendel.
 

O povo Apurinã vive em quatro terras indígenas na região sul do estado do Amazonas: Caititu, Capicua, Torá e Paumari do Lago Marahã. Eles também vivem perto da Terra Indígena Mamoriá Grande, onde há um grupo de indígenas isolados.
 

Wendel explica que os ataques deixam o território fragilizado e que os eventos extremos agravam ainda mais os problemas já existentes. “Com o desmatamento, as caças vão embora, e as queimadas expulsam nossos animais. Existe uma área dentro da Mamoriá Grande que nunca havia sido afetada, mas, por incrível que pareça, aquele pedaço de paraíso queimou por quilômetros e quilômetros”.

 

Mais informações acesse: https://infoamazonia.org/2025/03/31/organizacoes-indigenas-criam-estrategia-para-incluir-demarcacao-de-terras-como-politica-climatica-na-cop30/ 

FONTE/CRÉDITOS: Crédito: Jullie Pereira*
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