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Criminosos cercam, atiram e provocam incêndios em retomadas Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang.

No Mato Grosso do Sul, o cerco segue durante este sábado (20).

Criminosos cercam, atiram e provocam incêndios em retomadas Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang.
Incêndio criminoso na região das retomadas de Douradina, Terra Indígena Lagoa Rica Panambi. Foto: Comunicação da Aty Guasu
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Retomadas e aldeias dos povos Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang sofreram uma sequência de ataques entre o final desta sexta-feira (19), a madrugada e o decorrer deste sábado (20). Indígenas foram baleados, outros ficaram por horas desaparecidos e mesmo com a presença de autoridades federais, os criminosos não se intimidaram e deram continuidade a uma ofensiva violenta contra as comunidades iniciada há pelo menos uma semana.

No tekoha Tata Rendy, dos Ava Guarani, no oeste do Paraná, a tarde deste sábado é de cerco e mais incêndios criminosos como forma de expulsar os indígenas da retomada. A informação é da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). Tratam-se de ataques em bloco dentro de contextos similares.

No Mato Grosso do Sul, as cinco retomadas da região de Douradina, circunscritas à Terra Indígena Lagoa Rica Panambi, seguem sendo acossadas por capangas armados desde a manhã deste sábado. Em campo aberto, quase uma dezena de caminhonetes se posicionou trazendo homens nas caçambas, que rapidamente se espalharam em um perímetro ofensivo ao grupo Guarani Kaiowá. A Força Nacional de Segurança está no local.

Desconsiderando processo em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), um helicóptero e camburões da Polícia Militar (PM) chegaram ao local. No âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1059, a Corte Suprema analisa pedido para proibir a polícia estadual de intervir em conflitos entre indígenas e proprietários rurais no Mato Grosso do Sul. Lideranças da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani Kaiowá, afirmam que a presença da PM é uma estratégia para a promoção de despejos forçados.

Não há reintegrações de posse determinadas pela Justiça. De acordo com fonte ouvida, situação similar ocorreu nos despejos forçados e ilegais em Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, Kurupi, em Naviraí, e no chamado Massacre de Guapoy, ocorrido em 2022, em Amambai. “Criam uma situação para dizer que os indígenas atacaram, invadem a retomada com violência e retiram à força”, diz uma fonte ouvida que não será identificada por motivos de segurança.

Na manhã deste sábado, duas retomadas na Terra Indígena (TI) Dourados Amambai Peguá I, em Caarapó, passaram a ser sobrevoadas por drones e cercadas por caminhonetes. Os Guarani Kaiowá identificaram que os veículos pertencem a proprietários rurais que respondem a processo judicial acusados de envolvimento no chamado Massacre de Caarapó, quando o agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza foi assassinado e outros indígenas foram feridos por disparos de armas de fogo.

Trata-se de uma região com dez retomadas. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCDI) foi publicado em 2016 destinando 50 mil hectares para a TI Dourados Amambai Peguá I. A resposta a ele pelos opositores à demarcação foi o Massacre de Caarapó. O procedimento, apesar do trágico episódio, acabou paralisado. Os Guarani Kaiowá, em resposta ao massacre, passaram a fazer as retomadas a partir da Reserva de Caarapó, onde estavam confinados.

A Força Nacional se dirigiu ao local das retomadas com concentração de caminhonetes. Porém, conforme os indígenas, os agentes federais não qualificaram a ocorrência tomando nota das placas dos veículos, identificando quem está no local, e o clima de tensão remete a comunidade ao modus operandi  das violências perpetradas contra o povo Guarani Kaiowá no cone sul do estado.

Incêndios e falta de esperança nas autoridades

Ocorre que nos três casos, Ava Guarani, Guarani Kaiowá e Kaingang, houve incêndio criminoso nas áreas ocupadas pelos indígenas. Os agressores atearam fogo em malocas e nas matas do entorno. Outro ponto em comum é que nos três casos os ataques ocorreram horas após a saída de representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) das áreas e com a presença de agrupamentos da Força Nacional deslocados pelo governo federal às regiões.

Apesar das comitivas do MPI, e as tentativas de negociação com proprietários rurais e políticos locais para a interrupção das hostilidades, não houve ainda a presença de um aparato mais sólido do Estado em busca de soluções reais - e até mesmo a ida às regiões de autoridades públicas com peso político. A atuação da Força Nacional é criticada.

Os agentes locais da Fundação Nacional do Índio (Funai) mantêm idas constantes às áreas alvos de capangas, homens encapuzados e empresas de segurança. Prestam apoio e socorro, encaminham feridos e demandas. Ocorre que pouco podem fazer, diante da emergência, sem a intervenção mais efetiva do governo federal. Os relatos são dramáticos e revelam o sentimento de impotência dos indigenistas diante das graves violações presenciadas.

Por outro lado, os indígenas não sentem que o governo federal está empenhado em demarcar as terras indígenas. No Congresso Nacional, a bancada ruralista vem se sentindo à vontade e com apoio para fazer leis confrontando recentes decisões do STF, caso da Lei 14701/23, a chamada Lei do Marco Temporal, que vem incentivando invasões e agressões variadas aos territórios indígenas por todo o país.

"Os indígenas não sentem que o governo federal está empenhado em demarcar as terras indígenas"

Rezadoras Guarani Kaiowá em ritual na direção dos capangas armados que ameaçam a comunidade nas retomadas da região de Douradina. Foto: Comunicação da Aty Guasu

Guarani Kaiowá: incêndio e tiros

Por um aplicativo de mensagens, na tarde desta sexta, indígenas Guarani Kaiowá das cinco retomadas de Douradina solicitaram, além da presença da Força Nacional, a presença do Corpo de Bombeiros para debelar focos de incêndio provocados por capangas de proprietários rurais. Pediam ainda ambulâncias para atender feridos a tiros de arma de fogo. Este é o retrato mais exato do terror enfrentado pelos indígenas numa região atacada há mais de uma semana.

Em um vídeo (assista abaixo), captado na noite desta sexta, um incêndio criminoso de grandes proporções formou um arco ao redor da retomada. Ao fundo, é possível ouvir representantes do governo federal tentando acalmar os Guarani Kaiowá e mostrando os esforços do Poder Público na busca por uma solução. Conforme os Guarani Kaiowá, o fogo é uma tentativa de empurrar para fora das áreas os grupos e arrasar a terra para que eles não voltem.

Uma outra denúncia dos indígenas diz respeito à postura da Força Nacional e como ela vem atuando na região. "A Força Nacional vem aqui e diz que a gente tá bêbado. Isso é mentira. No norte da aldeia teve indígena baleado. Esse pessoal estava junto com a Força Nacional. A gente quer segurança. Sabemos que a área não está homologada, mas essa é nossa demanda de território tradicional. Não queremos guerra, mas nossos direitos", disse uma liderança Guarani Kaiowá.

Os nomes das lideranças não serão revelados por motivos de segurança. A Terra Indígena Lagoa Rica Panambi teve o RCDI publicado em 2011. De lá para cá o procedimento foi paralisado. Ocorre que os Guarani Kaiowá vivem à espera da demarcação amontoados na Reserva Lagoa Rica, cujos 3 mil hectares estão dentro dos 12.500 do RCDI. As retomadas servem para aliviar o confinamento, ocupar as terras tradicionais delimitadas e pressionar as autoridades públicas.

"Já são três indígenas baleados. Para termos nosso direito temos de morrer? Será que essa corda só arrebenta pro lado mais fraco? Queremos respostas. Quando os europeus chegaram aqui, o Brasil era nosso. Não estamos pedindo tudo de volta, mas só um pedacinho pra gente sobreviver", concluiu a liderança.

"Já são três indígenas baleados. Para termos nosso direito temos de morrer?"

Na tarde deste sábado (20) um incêndio criminoso foi ateado no tekoha Tata Rendy, do povo Ava Guarani, no oeste do Paraná. Foto: Comunicação/CGY

Na tarde deste sábado (20) um incêndio criminoso foi ateado no tekoha Tata Rendy, do povo Ava Guarani, no oeste do Paraná. Foto: Comunicação/CGY

Ava Guarani: o estopim da nova onda 

Conforme nota da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), o ataque de proprietários rurais foi retomado no oeste do Paraná no início da noite desta sexta com tiros e incêndio criminoso contra o tekoha Tata Rendy, no município de Terra Roxa, numa escalada de violência que atinge a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira. Um Ava Guarani terminou ferido, e três pessoas, sendo duas crianças de 8 e 10 anos, além de um adulto, ficaram desaparecidas por horas.

"Os pedidos dos fazendeiros foram apresentados em oito ações judiciais, que obtiveram resultado nesta tarde (sexta) em decisões do juiz  João Paulo Nery dos Passos Martins, responsável pelos casos na 2ª Vara Federal de Umuarama. Ao todo, são quatro reintegrações de posse e quatro interditos proibitórios que atingem quatro comunidades", explica a nota da CGY.

A decisão é considerada um agravante à violência porque o juiz proíbe que a Itaipu Binacional negocie com os proprietários o interesse de venda das áreas para a promoção da reparação territorial, intervindo no debate corrente no âmbito da Ação Cível Originária (ACO) 3.555, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Desta maneira, a CGY considera que a decisão sobre as ações possessórias elevou a tensão na região, "expondo as comunidades Ava Guarani a risco de novos ataques de particulares e expulsões violentas por forças policiais, e tem grande potencial de agravar o conflito. A intervenção no assunto da reparação cria um novo obstáculo ao reconhecimento dos direitos indígenas, e segue na contramão das disposições coletivas de promoção da justiça histórica".

Desde o último dia 5, informa a CGY, as comunidades vêm sofrendo cercos, ataques e ameaças pelos fazendeiros e pela população dos municípios de Guaíra e Terra Roxa. O policiamento militar foi reforçado na área, que já está sob a atuação da Força Nacional desde o início do ano.

"CGY considera que a decisão sobre as ações possessórias elevou a tensão na região, expondo as comunidades Ava Guarani a risco de novos ataques"

Retomada Fág Nor, do povo Kaingang, estabelecida às margens de rodovia em Pontão (RS). Foto: Cimi Regional Sul

Retomada Fág Nor, do povo Kaingang. Foto: Cimi Regional Sul

Kaingang: retomada Fág Nor mais uma vez

O povo Kaingang da Retomada Fág Nor, em Pontão, localizado próximo ao município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, voltou a ser atacado na  madrugada deste sábado (20). Homens encapuzados desceram de veículos e atiraram contra os indígenas e incendiaram uma maloca. Em uma semana, é o terceiro ataque sofrido depois que as famílias decidiram retornar para uma área próxima ao seu território tradicional.

A retomada ocorreu no último dia 9. Na noite seguinte, pessoas armadas passaram pelo local e dispararam várias vezes sobre os barracos, que estão situados às margens de uma estrada, num espaço de terra de domínio público, pertencente ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Os Kaingang não ocupam terra privada, mas apesar disso são atacados.

Entre os últimos dias 13 e 14, homens armados atearam fogo num veículo da comunidade, que estava estacionado em frente aos barracos onde os indígenas se abrigam do frio e da chuva.

Conforme nota do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, "os indígenas do povo Kaingang foram expulsos de sua terra em 2014. Ruralistas da região, articulados por parlamentares de partidos extremistas como PP, Republicanos e PL, não aceitam que os povos indígenas tenham o direito de viver em suas terras".

A comunidade da retomada Fág Nor, além de requerer o reinício dos estudos de identificação e delimitação de suas terras, paralisados Funai, busca também dar visibilidade à realidade de absoluta vulnerabilidade dos povos indígenas no estado do Rio Grande do Sul.

FONTE/CRÉDITOS: POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
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